quinta-feira, 20 de março de 2008

Saudações

Levo já um tempo a escrever sob um alcume (1) que os meus amigos e colegas já conhecerão. Bem, chega um momento em que começas a dizer cousas que podem zangar. Nestes casos há duas possíveis reacções: continuar no anonimato (bastante cómodo, hei de dizer) ou assinar as palavras para que, se alguém não estiver de acordo, tenha a opção de contestar em igualdade de condições. De tu a tu, que tão à moda está.

Não espero fazer grandes cousas neste recuncho. É o enésimo blogue que fago, porém é o primeiro com o meu nome, porque penso que as minhas ideias merecem ser discutidas, debatidas e criticadas. Porque há muitas probabilidades de eu estar errado. Não fago isto tanto para convencer quanto para ser convencido. Ou quiçá para chegar a qualquer tipo de certeza nesta vida.

Nesse aspeito tenho certa inveja das pessoas com fé. Eu não sei muito bem o quê é isso, porque os deuses e seres etéreos diversos sempre foram, na minha casa, como contos de velhas. Sempre estivo ao mesmo nível um deus grego do que um deus de religião monoteísta. Para mim, a palavra «mitologia» não tem, a priori, conotação nenhuma. É precisamente isso: um conjunto de fábulas ou contos. Tanto é "mitológica" uma passagem da Bíblia cristã quanto uma das múltiplas lendas greco-latinas. Seria bom estar tão certo de qualquer cousa, não ter de te preocupar polas consequências de acreditar nalgo, além da probabilidade ou possibilidade de isso ser certo. O problema vem quando o sujeito em questão obtivo sempre respostas baseadas na razão: as respostas que apelam à fé, sem mais, não são suficientes. É preciso mais.

Escrevo também isto porque estou farto de ler e escuitar que na Galiza apenas é possível fazer cultura e política a sério em castelhano. Estou canso. Uma cousa é entrarmos em discussões linguísticas sobre reintegracionismo-isolacionismo (2) que não vêm ao caso. Outra bem distinta é argumentar que é necessário escrever em castelão para nos fazermos compreensíveis. Nego-me a aceitar isso, e mais quando temos a prova evidente de que na Catalunha é possível fazer política, cultura, artes em geral, tudo em catalão e dentro do Estado espanhol. Nego-me totalmente a aceitar que a língua de cultura da Península Ibérica tenha de ser o castelhano por colhões, existindo o claro exemplo dum país soberano como é Portugal. Sabêndomos uma língua latina, e mais ainda sabêndomos duas, podemos compreender outras sem problemas importantes. Assim que eu, que sei português (3) e castelhano, podo compreender sem dificuldades muito graves um texto redigido em catalão ou em asturiano. Antes do que escrever para quem mora a mil quilómetros prefiro fazer para quem mora na rua de baixo.

Alguém poderá argumentar que, se quigesse escrever para os meus paisanos, teria de redigir os textos no galego oficial. Para isso tenho uma resposta: não existe um chamado «padrão culto» do português da Galiza ou galego. A normativa oficial não foi feita com esse fim, mas como um jeito de fazer esquecer ao povo galego o potencial que tem como país pertencente à Lusofonia (ou Galeguia, como propõem alguns (4) ). Por isso, escrever neste blogue tentará ser um pequeno acto reivindicativo para fazer lembrar que somos o país onde nasceu o português, que hoje é falado por mais de duzentos milhões de pessoas nos cinco continentes (5) . Reivindico assim o direito dos galegos a nos sentirmos parte da Galeguia, termos um padrão culto da nossa língua, levarmos com orgulho e dignidade a nossa fala que alguns tentam ainda hoje fazer desaparecer sob distintos pretextos e máscaras (6) e, sobretudo, fazer desaparecer o maldito complexo de auto-ódio omnipresente na sociedade galega.

Que ninguém se engane: não quero fazer desaparecer da Galiza o castelhano. Mas quero poder fazer uma vida plena em galego se assim tiver vontade, e sei que hoje não podo. E um dos principais inimigos desta possibilidade são os próprios galegos. Como dixo algum: desperta Galiza!!

Fica inaugurado este tugúrio.


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  1. Ou alcunha, para os lusófonos-não-galegos.
  2. Para mais informação consultar o Portal Galego da Língua.
  3. No meu caso, sei português da Galiza, e compreendo sem problemas as normas de Portugal e do Brasil.
  4. Notícia sobre Galeguia no PGL.
  5. Foi levado aos cinco continentes à base de hóstias, mas nem todas as histórias são bonitas.
  6. Afortunadamente alguns conservam o bom humor. Já falara nisto noutros lugares, mas adoro ser galego.